quinta-feira, 31 de maio de 2007

Este é o poema do amor

Este é o poema do amor.
O poema que o poeta propositadamente escreveu
só para falar de amor,
de amor,
de amor,
de amor,
para repetir muitas vezes amor,
amor,
amor,
amor.
Para que um dia, quando o Cérebro Electrónico
contar as palavras que o poeta escreveu,
tantos que,
tantos se,
tantos lhe,
tantos tu,
tantos ela,
tantos eu,
conclua que a palavra que o poeta mais vezes escreveu
foi amor,
amor,
amor.
Este é o poema do amor.

António Gedeão

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Soletrar o Dia


«Tenho tudo por dizer e gasto palavras
para lá chegar. Não sei se me afasto
ou se chego perto. Se alguma vez rocei
a pele do essencial. E pergunto-me sempre
para quê estas palavras que me teimam.
O passado não é o que está feito,
mas o que palavra alguma fará de novo.
Por isso leio sempre no futuro, mas não sei
para que lado do tempo escrevo. E se soubesse
que arrasto as letras como um caranguejo
diria que só tenho esta mão de palavras.
Soletro os dias em que cada coisa que me olha
quando me sinto a vê-la. É tudo.
E não há desculpas para o que faço.»

Rosa Alice Branco

terça-feira, 22 de maio de 2007

Para ser grande

Para ser grande, sê inteiro:
nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha,
porque alta vive.

Ricardo Reis

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Ilusão Silenciosa

Por detrás de cada fotografia está uma respiração sibilante, irmã do vento e da memória.

No acto de fotografar todas as emoções podem surgir do seu esconderijo, desviando o corpo para aquilo que não está ali presente. Posso estar a ser embalado numa sensação passiva de beleza narcótica e sou levado a representar uma realidade desinteressante. Isto acontece porque me esqueci de pôr a minha ilusão a agir sobre o assunto que enquadrava.
É o corpo que fotografa. O corpo não está fechado para si mesmo, ele vê e sente a fragilidade do efémero. Também ele está lançado nesse turbilhão chamado tempo. Tenho de estar presente de corpo inteiro. O olhar, a cabeça e o coração no mesmo diálogo, nas mesmas decisões.

Há sensibilidades que estão longe da eficácia. A sua honestidade, a incapacidade de dissimular, a tendência cristalina para agir segundo os seus próprios valores, desvelam um caminho repleto de pedras, abismos, hesitações. Quantas quedas entre o sonho e o que a realidade pede. No entanto, sem sonho pouco fica que valha a pena. E sem o cuidado, a atenção que o mundo pede, que os outros pedem, o que seríamos nós?

Uma fotografia pode tirar-nos as palavras, fechar-nos literalmente a boca com o amor, a violência, o brilho do mar nas pestanas. Mas esses reflexos do tempo, mesmo aqueles que achemos pouco interessantes, não deixam de lançar perguntas ao olhar do interlocutor. Nem que seja:
- O que é? Quem foi? Onde será?
E assim, o universo deve ter mais perguntas do que pontos de luz a denunciar uma pulsação.

O silêncio é essa presença feita ausência, ou algo ausente que volta a nós, é o misterioso acontecimento por detrás de um olhar.
Nesta dicotomia amorosa a fotografia é íntima do silêncio.
Qual seria a intensidade do desejo se tudo fosse pronunciado? Tudo revelado?

O silêncio conotado como algo negativo configura, sobretudo na cultura ocidental, uma fuga para a frente. Esse embaraço de suportar a densidade do outro expõe a falta de recolhimento em relação a nós próprios. Se as visões não nos abandonam mesmo quando temos os nossos olhos fechados, se uma imagem pode valer mais do que palavras, o silêncio também pode falar mais alto do que aquilo que pensamos.
A fotografia mimética, reprodutiva, assemelha-se a determinadas frases que devido ao seu uso utilitário vão perdendo a sua intensidade metafórica. A profusão de imagens nos mais diversos suportes, nos mais diversos locais, banaliza o olhar e satura a visão, porque essa torrente imagética está ao serviço de um conceito utilitário que quer impor-se como espelho do mundo.

A imagem sublima o real. Vivemos grande parte do nosso tempo sob o jugo desta visão perfeita do mundo. A concepção desta realidade relata continuamente aquilo que passa à frente dos nossos olhos, como se uma fantasia tornasse todos os dias iguais a si próprios. Num mundo onde a ficção já não tem espaço para sonhar a vida, a imagem já não pode imaginar o real, porque ela se metamorfoseou naquilo que deveria ser o seu elemento dialético - o próprio real.

A vida próxima, actual e táctil acorda-nos desse sonho vivido num ecrã, numa imagem. Momento esse que abre no tempo e no espaço a vontade de ver o ainda não visto, de trazer ao visível o que em silêncio se desenrola na nossa consciência.

Para além da fotografia ter a tendência para objectivar rastos do passado, ela possui também a capacidade de desafiar o presente e o futuro. Imaginar como seria, o que poderá vir a ser a invenção daquilo que olhamos - colocando em jogo o erro, o imprevisto, o inacabado, uma gramática cheia de tensões, paradoxos, pausas e movimentos. Dar imaginação a um assunto não é acrescentar um silencioso enigma ao mundo?

in «cais» nº100, Julho/Agosto 2005
Ricardo Bento

António gedeão - Memória sobre os teus olhos

Magníficos.
como os jactos que aguardam no aeroporto o iminente sinal da partida,
seus grandes olhos imensos escorvam, impacientes,
o subsolo da imagem pressentida.
Perfurantes como as brocas dos mineiros,
pontas de aço-vanádio
que o cubro alcançam sem perder o gume,
um fogo o olhar o queima, um mar invade-o,
um lume feito de água, água de lume.
Súbito, seus grandes olhos imensos descolam e levantam voa.
Ei-los que sobem.
Seu movimento é como se apenas as coisas deles se afastassem,
é como se move o tempo, sem agravo nem estrago,
como boiam as folhas na dormência do lago,
como bate o coração do homem enterrado no chão.
Na estática subida a que se entregam
são o próprio silêncio em que navegam,
são a curva do espaço,
a quarta dimensão.
Cá em baixo,
onde as superfícies se avaliam
multiplicando pi por érre dois,
um formigueiro de bois
desenha na planície coloridos talhões.
Cumprem-se as sementeiras.
As cores são as bandeiras;
os regos, os limites das nações.
Um rabiar de células,
Cultura de bactérias num capacete de aço,
ziguezagueiam, obstinadas como libélulas,
num charco de sargaço.
Entretanto,
seus grandes olhos imensos olham, e olhando,
no desígnio frontal que não hesita nem disfarça,
com linhas de olhos vão bordando a talagarça.
Sento-me à secretária,
preparo-a, limpo-a, esfrego-a
na aflita busca do mais puro espaço,
e com o esquadro e a régua,
o lápis e o compasso,
construo os olhos d'Ela.
Deliberada e escrupulosamente
ergue-se a construção de arquitectura mansa,
quase cinicamente,
como quem premedita uma vingança.
(Aliás
o engano, a ilusão,
a mentira, a falsidade,
o perjúrio, a invenção,
tudo, em Amor, é verdade.)
Eis os mais lindos olhos deste mundo.
O Amor os fez.
Proas de galeões de velas pandas,
meninas a correr que chegam às varandas
olhando o mundo pela primeira vez.
Dou-lhes uns toques nas íris, um tempero
na plácida inocência,
um miligrama de cianeto, morte sem desespero,
acicate da humana permanência.
Sobre o fundo sombrio um tom de folha seca
de plátano, uns veios
de clorofila,
mancha irisada
em redor da pupila,
óleo vertido no asfalto da estrada.
Encosto o rosto às mãos, e embevecido
contemplo a construção de linhas,
e finjo-me esquecido
como se não soubesse que são minhas.
Como se não soubesse
comovo-me e entrego-me no sorriso total,
Construo o meu real
conforme me apetece.



António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001

A todos os meus amores: pais,manos, tios, avós e sobrinhos

domingo, 20 de maio de 2007

António Gedeão - Poema da flor proibida


Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.
Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.
Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.
Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem olhar.
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.

Cão que levou mordida de cobra tem medo de salsicha (Br)


Sim é verdade, já diz o povo gato escaldado... e eu bem escaldada ando!!!Resta-me aprender com as adversidades e ser MUITO FELIZ!!!

Mais um...

Dia um de um novo blogue..